quarta-feira, 16 de julho de 2014

TODAS NÓS, NENHUMA DE NÓS




Este homem, que agora assovia no corredor, não sabe que no momento em que escuto a porta fechar-se, deixo de ser a Clara, que lhe parece tão clara, e me torno Esther, e sendo Esther estranho as próprias formas de meu corpo esplêndido por entre os lençóis. Minha pele se eriça com o toque de minhas mãos que buscam um pouco de conhecimento, uma nova intimidade nesta manhã que já envia delgados filetes de sol pelas frestas da persiana e que invadem o apartamento vazio deste homem que por certo agora entrou no elevador e como sempre faz, olha para o teto ou consulta o relógio.

Este homem, que agora deve estar dando partida no carro, não sabe que no momento em que atravesso a porta da cozinha me transformo em Irene, e Irene boceja antigas cançonetas francesas enquanto exagera na quantidade de pó que lança à cafeteira, talvez por ainda estar com os olhos semicerrados, ao mesmo tempo em que ri das duas taças de champanhe que agora descansam sobre o balcão, com os restos da noite que pertenceu somente a Paula, pois Paula é a que dentre nós, melhor sabe fingir o sexo.

Este homem, que agora deve estar na avenida imprimindo velocidade ao veículo para ganhar melhores e irrisórias posições, não sabe que no momento em que chego à sala me transformo em Vivi, e Vivi é a mais adolescente entre todas, e por isto se diverte muito com muito pouco, inventando poses bobas e bocas de café amargo, desalinhando o cabelo, dançando músicas imaginadas em frente aos espelhos.

Este homem, que agora deve estar em meio ao sagrado congestionamento, não sabe que no momento em que alcanço o sofá, me torno Roberta e Roberta tem hábitos raros, como o de desnudar-se completamente em pleno julho paulista para encontrar outros homens, homens sem rosto, com vozes vagas e rudes, ou até mesmo mulheres de corpos também voluptuosos e é sempre nesta hora que sinto o frio do assoalho ofendendo minhas costas, pois a sala é de Roberta, é ela quem faz as regras e para Roberta não há delícia sem dor.

Este homem, que agora deve estar petrificado, observando com assombro e olhos infantis o mundo gigantesco a seu redor, não tem a mais vaga ideia de que todas nós, absolutamente todas...apenas o amamos.

Fernando Corona

final de 2013


Nenhum comentário:

Postar um comentário