terça-feira, 22 de julho de 2014

MULHER GREVISTA





Minha mulher é professora, grevista, e anda absorvida com o assunto já faz mais de mês. Um pouco absorvida demais, é bom que se diga. Há alguns dias atrás estávamos voltando do supermercado quando me comunicou.

- Tô indo pra Câmara.

Respondi num tom tipo comandante do Bope.

-Tá indo pra Câmara sim. Lá em cásara. No nosso quártoro. Peládara.

Ela acatou a decisão, mas agorinha mesmo, quando entrei em casa quase tive um AVC. O que à primeira vista parecia ser o exterminador do futuro na verdade era ela, na frente do espelho, cheia de coisa pendurada e com uma máscara de gás. Quando consegui me recuperar perguntei.

- Mas o que é isso?

Depois de um certo esforço pra tirar aquele equipamento da cara respondeu efusiva.

- Entrei pra Black Bloc. Comprei esta máscara do companheiro Nestor. Legal, né? Protege dos gases. Ele me fez em 3 vezes no pré datado.

Fui falar algo, mas ela me cortou dizendo que tinha manifestação daqui a pouco e já estava atrasada.

- Deixa ver se não esqueço de nada. Vinagre, magnésio, câmera, celular. Acho que tenho tudo. Bom, querido, tô indo. Me deseja sorte.

Se despediu com um beijo rápido e antes de chegar à porta deu um chute no meu banquinho do piano e jogou ele quase na cozinha. Virou pra mim com um sorrisão e disse.

- Tenho de treinar, né?

Ainda pude ouvi-la gritando palavras de ordem no corredor, antes que o elevador chegasse.

Agora fico pensando sobre tudo isso, enquanto afundo pedaços de bolacha Maria no leite quente (ficam tão molinhas, já experimentou?). Ela me ligou. Vou busca-la daqui a pouco, quando terminar a manifestação. Ela acha perigoso andar sozinha na rua. Enquanto isso vou zapeando. Parece que é por esse horário que tem um campeonato de peteca na TV. Só não lembro o canal.



Fernando Corona 2013





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