quarta-feira, 6 de agosto de 2014

AMOR PELOS ANIMAIS?

Na década de 80 fui arriscar a vida pelas europas e aquele "eu" era um outro "eu", e já faz tanto tempo que só acredito porque ainda existem fotos que comprovam.

Vivi por 3 anos em Madrid e no último ano rolou de acompanhar um trio de cantautores (é assim que os espanhóis chamam os cantores que compõem) ciganos. Era algo como Gipsy King mas muito mais brega. Pachanga é o sinônimo de brega em espanhol.

Los Calis era o nome do grupo e pra minha sorte, duas canções do disco que haviam lançado estavam bombando nas rádios do país e com isso o número de shows foi grande e viajei bastante por uma Andalucia ensolarada e com cheiro de flor por todo lado. Além disso pude encher o bolso de pesetas e voltar com algum para o Brasil.

Não sei se algo mudou, mas naquela época os ciganos eram muito discriminados e era cena comum vê-los sendo revistados pela polícia nas ruas, geralmente sem motivo aparente. Mas muitos também estavam ligados ao crime e à droga. Eram pessoas muito simples, mas muito simples mesmo. Cultura zero.

O líder deste grupo contou que, em certa ocasião, depois de ter sido preso por tentar roubar o motor de um carro, estava deitado na cela e ouviu sua música tocando na rádio. Era uma canção que falava sobre a heroína, droga muito consumida no país e talvez por isso estivesse estourada nos meios de comunicação.


Mas deixa eu contar que um dia estávamos regressando a Madrid, depois de mais um show, e lembro que era uma manhã muito quente, daquelas em que o céu fica quase branco, quando um dos cantores começou a gritar pedindo que o motorista parasse a Van.

Ele saltou do veículo ainda em movimento e voltou com uma tartaruga na mão. Ela devia ter uns 30 centímetros e o sujeito estava comovido por ter achado o bichinho. Entrou muito animado no furgão, acariciando o reptilzinho, comentando com os colegas que era linda e que iria ficar com ela.

Olhei aquela cena, consumido que estava pela ressaca, e fiquei surpreso por ver aquela pessoa, que parecia ser tão tosca, demonstrar tamanha sensibilidade para com os animais.

A van se pôs novamente em movimento e o cara passou a tartaruga para o irmão que comentou que era linda sim, mas que também parecia cheirar um pouco mal. E assim o animal, que não desconfiava do que viria a lhe acontecer, foi passando de mão em mão dentro do carro e as queixas quanto ao fedor aumentando rapidamente.

Quando chegou a mim, pude perceber o aroma e fiquei pensando que ela só podia ter saído do cocô da latrina de um faraó porcalhão. Rapidamente passei-a adiante, sem dizer palavra, me esforçando bravamente pra não vomitar em todas as direções.

O bicho foi parar nas mãos do que o havia resgatado da estrada e este, ao contrário das primeiras doces amabilidades, agora praguejava gritando todo tipo de palavrões, se queixando da fetidez insuportável que aquele animal “hijo de puta” havia espalhado pelo carro.

Num gesto rápido que ninguém pôde questionar e muito menos impedir, abriu a janela e gritando impropérios, defenestrou o cágado, que certamente nunca tinha voado a uma velocidade de mais de 130 km por hora.

Fechou a janela, como se nada fosse, e sobraram no ar algumas poucas críticas sem destino exato que logo cessaram. E assim tudo voltou a ser como antes. O silêncio e a estrada. Normal.

Fiquei ali, imóvel que nem um boneco, sem saber se ria , se chorava, ou os dois junto. Ainda faltavam terriveis 600 km até chegar em casa e foi só mastigando aspirinas, que por sorte tinha, que achei um pouco de consolo.

Fernando Corona – 2013




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