sábado, 16 de agosto de 2014

OS FIOS DA NUVEM





     A meu lado um homem dorme. Este homem é meu, mas não me acompanha porque dorme, e nem poderia, pois esta insônia é só minha. 
     
     Não posso nem devo dividi-la com este homem que dorme, pois a causa de não conseguir dormir nem eu mesma conheço bem. É um desassossego que tem me levado pelas madrugadas tão escuras deste quarto, mas não me queixo. Até devo confessar que espero o dia inteiro por este momento em que escuto a respiração do meu homem finalmente cadenciar. E aí então, é como se me jogasse numa piscina sem bordas, onde infindáveis e pequenas correntezas me afagam, ao mesmo tempo que me dilaceram. Poderia despertar este homem que é meu, nestes momentos de delírio, e ele certamente me daria sexo, e o sexo que ele me dá é bastante bom, mas não quero. Isto que tenho sentido na escuridão é mais do que sexo, mais do que paixão e é até mesmo, mais do que o nobre e consagrado sentimento chamado amor. Não consigo dar um nome, achar uma cor, um cheiro, um sabor. Não me lembra a sensação de estar drogada, ou bêbada. Não é euforia, nem angústia. É no corpo inteiro e o corpo se transforma em nada. É novo demais e ao mesmo tempo parece ser a sensação mais remota e familiar. Há vezes que parece que vou agarrar o sentido, pois passa como frase escrita e é como se ao lê-la de relance, o resto pudesse vir todo, como um maremoto. Outras vezes é um acorde, uma introdução pequena, que não tenho força de transformar na sinfonia que é, e está escondida. Então me contento em brincar de tentar saber se está dentro ou fora de mim. Quase sempre sinto que está dentro e me possui, mas há vezes que parece estar fora e então é como se alguém, em algum lugar longínquo, escrevesse meu nome repetidas vezes ou é como se este alguém estivesse na mesma insônia, na mesma bolha de insônia que estou, e pudéssemos compartilhar nossas fatias de vida. Então, aí sim, quando me vem esta sensação rara de estar acompanhada nesta bolha é que me invade um quase gozo, um gozo que pressinto ser  maior do que tudo nessa vida, mas num átimo se desfaz o encantamento e logo o perco novamente e este  fluído  inatingível que adivinho ser azul me foge, se vai impiedoso, deslizando por entre os dedos, fazendo  os delicados fios que me mantém ligada a esta nuvem se romperem.  Neste exato instante volto ao começo, à busca inicial. É como um jogo que nunca tem fim.

     Apesar disto, sinto que estou avançando noite após noite, sinto que vou evoluindo neste cego tatear, nesta procura do que parece ser o insondável. Neste momento, nem sei ao certo se meus olhos estão abertos ou fechados. Não importa. Neste momento é tudo negro e silencioso neste quarto onde o tempo às vezes se faz estátua e a madrugada se torna minha. Neste exato momento, olho para o lado e me espanto, quando vejo que a meu lado, um homem dorme.

Fernando Corona - 2014 - PoA







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