sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O VESTIDINHO

Tenho de ir ao banco e vou a pé. O dia é de um suave brilho de outono, o que contrasta um pouco com esta gente que caminha alvoroçada pela rua do Catete. Vou no ritmo que o sol manda, nem mais, nem menos, quando vejo passar por mim uma linda de vestidinho. Linda é pouco. Uma deusinha em forma de pessoa. 

Então não faz mal nenhum ir atrás dela um pouquinho só, já que o banco fica na mesma direção e assim vou observando atentamente aquele vestido esvoaçar pedaços de pernas na brisa que sopra e o caminhar elegante e simples que ela tem, o balanço perfeito, mas não se engane, não se trata de uma voluptuosidade carioca, uma popozuda, nada disto.  É mais uma languidez delicada, uma fada de bronze que flutua. Cheguei a ver num relance seu perfil de olhar inseguro, daqueles que pedem proteção e dá vontade na gente de cuidar. Um poema que caminha. É assim que defino esta gazelinha assustadiça que teimo em perseguir pelo Flamengo porque quero ver ainda alguns detalhes e noto que já passei do banco, mas não dá nada, só mais uma quadra quem sabe, e então quando cruzamos a travessa, o sol enviesado que já vai se pôr atrás dos morros corta o tecido e revela um pouco da forma das curvas que se revelam fantásticas e vou no rastro destas sandálias que combinam com todo o resto por sua leveza e as panturrilhas contraem-se com exatidão a cada passo, a cada decidido passo que mostra uma musculatura fresca e morena e reparo no braço que não segura a bolsa, o braço solto que é jogado para trás sem nenhuma arrogância, perfeito braço que faz adivinhar a coxa, e a pequena tatuagem nas costas sob o cabelo curto e molhado que me faz imaginar perfumes e agora só faltam os pés, é necessário encurtar  distâncias para saber exatamente o formato e a cor das unhas, características que revelam tanto sobre uma mulher, mas subitamente ela estanca e quase bato de cara contra a cabeça dela. Assustado, escuto sua voz de um tom irritado.

- Este cara tá me seguindo.

Na frente dela um edifício. Um gigante de mais de 1,90, destes ogros de academia, o braço mais grosso que minha coxa.

- Tu tá seguindo minha gata, mané?

- Hrgh....to fim, mav é por cauva do veftidinho.

- Quê??? 


Já armando o soco. Me contraio todo pra receber a porrada, mas consigo responder com voz meiga.

- Fabe o que é? Fuper goftei do padrão.

- Que padrão???

- O padrão, o feitio, mega amei êfe veftidinho. Queria faber onde ela comprou, pra eu poder comprar um pra mim.

- Ah, tu é uma bixa escrota! Vaza daqui.

Ela se interpõe e afasta o braço do namorado que me segura com brutalidade pela gola.

- Deixa ele, amor.

Com um olhar penalizado se dirige a mim com uma vozinha de anjo que me dá vontade de me declarar agorinha mesmo, mas se faço isto vou apanhar todo dia que este cara me encontrar.

- Moço, eu ganhei este vestido de uma amiga.

- Ai, que peninha.


Reforço a cena de minha decepção raspando o pé no chão e colocando o dedo na boca. Então ela continua animada:

- Posso perguntar pra minha amiga onde ela comprou, e se você me procurar no Facebook posso te dar a informação.

- Ai, linda, vofê é muito gentil. Qual é o teu Feife?

- Renata Maria Solér.

Meu Deus do céu! - penso cá comigo - nome de deusa também. O grandão fica assistindo com olhos burros ao nosso insólito diálogo.

- Renata Maria Folér, não pófo efquefer.

Ponho a mão no rosto, cobrindo os olhos, numa pose de memorizador, e assim consigo ver os pés dela que são verdadeiras relíquias do Senhor.

- Ai, que legal Renata, fua linda, obrigado caval. Feuf lindof. Fuper valeu. Vou néfa. Tchau tchau.

Dou meia volta, que esta foi por pouco. Quase levo um murro no meio da lata. Ainda morro por causa disto, mas agora é hora de ir ao banco que já tá quase fechando, pagar contas e estas coisas chatas, então caminho apressado, mas vou sonhando. Será que ela lê entrelinhas, sub textos e olhares? Fico repetindo o nome só nos lábios, sem voz, que é pra não esquecer.

Renata Maria Solér. Ah... que linda sonoridade! Não é não?



Fernando Corona





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