É uma palavra francesa que significa mendigo ou vagabundo e foi no “Jogo da Amarelinha” que a vi pela primeira vez. Se não me falha a memória, Cortázar dedicou um capítulo deste livro a este assunto. Agora descobri que também se chamava de Clochards aos escritores latino americanos que viviam na Europa naquela época.
O mendigo. Será esta a pior condição humana? Geralmente, a mendicância está relacionada com doenças mentais, álcool e drogas. Ainda me impressiono muito quando vejo um mendigo dormindo na rua, principalmente se esta for uma rua movimentada. O cara tá ali, exposto aos nossos olhos, os olhos dos ditos semelhantes, e parece que estes semelhantes estamos acostumados e conformados, desde sempre, com a existência do mendigo, aliás aceitamos com tranquilidade ver a desesperança medrando pelas ruas e quanto a isso nada fazemos. Sempre nos pareceu natural.
No Rio de Janeiro tem muitos. No centro, às vezes se pode ver uma pequena multidão deles e é uma paisagem terrível, mas é melhor ser mendigo aqui ou na Bahia do que no sul. Lá, o frio pode matar estes que não tem teto.
Aqui pelo Catete tinha um que apelidei de Sachê Man. Dava pra sentir o cheiro a 10 metros de distância. Sério. Às vezes eu sentia o cheiro antes de enxerga-lo. Deve ter morrido porque nunca mais o vi. Talvez tenha sucumbido ao próprio fedor. Tem um outro que é bem gordo e vejam só, vende livros. Tem um sebo na calçada. Mendigo duplamente seboso.
Existem muitas histórias sobre mendigos e me lembro de um, que andarilhava pelo bairro Rio Branco, em Porto Alegre. Dizia a lenda que tinha sido empresário bem sucedido, ao qual as coisas começaram a dar errado e ele foi perdendo tudo. Perdeu amigos, família, perdeu a lucidez e acabou nas ruas.
Lembro também de uma tarde em que estava caminhando num bairro afastado e na minha direção vinha um casal. A mulher, maltrapilha pra caramba, vinha mais à frente e pude ver que o homem, poucos passos atrás, a enchia de desaforos. Quando passam por mim, ele diz a ela de forma muito firme, com voz de ogro possuído.
-Relaxada!
No sul, esta palavra tem o mesmo significado que “porca”, “sem higiene” ou “desleixada” e por isto, o fato me fez rir muito, já que achei redundante chamar a mendiga de suja, mas lembrei que “relaxado”, no meio do gentio, também significa “promíscuo”, então entendi que, na verdade, a maloqueira certamente tinha fornicado com outro, ou mesmo outra, e o namorado tava furibundo com isto.
Não sei onde li que, apesar de sua terrível condição humana, o mendigo comete suicídio em apenas uma ocasião. Quando tem os órgãos sexuais mutilados e fica impossibilitado para o sexo.
O mendigo que não esqueço, vi numa via do centro de Madri, num calçadão cheíssimo de gente. Estava exatamente no meio do passeio, ajoelhado, mas com o corpo muito ereto. Tinha uma das mãos exageradamente estendida, e talvez esta, fosse alguma clássica e secular pose de esmoleiro. Era velho, muito magro, tinha os olhos claros, olhava em direção ao céu e derramava muitas lágrimas em silêncio. Uma cena dramática. Passei o dia com o quadro na cabeça.
Outra coisa que sei sobre eles é que a grande maioria não quer deixar esta condição. Alguns até recebem uma chance para ter uma vida “normal”. Tentam adaptar-se, mas acabam geralmente voltando à mendicância. Os que vejo por aqui pelo bairro, pelo menos não parecem tristes. O gordo que vende livros também os lê. Dá pra acreditar? E tem mais. Lê e ri.
F.Corona - Rio de Janeiro - 25/6/14
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